Análise do artigo 357, §1º, do Código de Processo Civil: o requerimento de ajustes e esclarecimentos e seus efeitos no âmbito recursal.
Em face da decisão saneadora, o artigo 357, §1º do CPC permite que as partes solicitem do juízo determinados esclarecimentos ou ajustes, no prazo legal de 05 dias. Analisando o dispositivo à luz do sistema recursal, percebe-se que a finalidade prática deste dispositivo é discutir matérias que não são recorríveis de imediato[1], pela via do Agravo de Instrumento, mas apenas em sede preliminar de Apelação ou contrarrazões, nos termos do artigo 1.009, §1º do CPC[2].
Embora seja essa a finalidade, o dispositivo não restringe o requerimento de ajustes ou esclarecimentos às matérias não agraváveis, podendo, portanto, a parte interessada utilizá-lo como bem entender, isto é, em face de qualquer capítulo da decisão saneadora. Desta forma, algumas considerações tornam-se necessárias para atender ao propósito deste texto.
É flagrante, pois, a semelhança entre este requerimento típico e o recurso de Embargos de Declaração. Todas as hipóteses de cabimento dos embargos declaratórios, previstos no artigo 1.022 do diploma processual, podem ser enquadradas lato sensu nas noções genéricas de “ajustes” e “esclarecimentos”. Tanto o é, por exemplo, que nada obsta que a parte requeira do juízo pontuais ajustes da decisão saneadora, com o propósito de eliminar e/ou colmatar, respectivamente, eventuais contradições e/ou omissões.
Entretanto, diferentemente dos Embargos de Declaração, que por expressa previsão legal interrompem o prazo recursal, vide o caput do artigo 1.026 do CPC, o diploma processual nada nos diz a respeito no caso do “pedido” de ajuste ou esclarecimento. Portanto, eis o problema: se a parte não opor embargos de declaração, mas solicitar ajustes ou esclarecimentos, a decisão do juízo subsequente, que atender ao requerimento da parte, caso se enquadre nas hipóteses de cabimento recursal, poderá ser desafiada via Agravo de Instrumento?
Explicando melhor o problema se a parte pode sugerir ajustes ou esclarecimentos, então, em tese, a decisão saneadora é passível de modificação, logo, o pronunciamento do juízo seguinte, ainda que não esclareça nem modifique coisa alguma, poderia ser objeto de recurso ou já estaria estabelecida a preclusão temporal, tendo em vista que o requerimento típico previsto no artigo 357, §1º do CPC?
Passemos à análise do problema.
Para tratarmos o artigo 357, §1º do CPC, como se embargos declaratórios fossem, então teríamos que utilizar da analogia, como técnica de interpretação, para aplicar ao referido dispositivo o caput do artigo 1.026 e o artigo 1.024, §4º, ambos do CPC, a fim de lhe atribuir, respectivamente, o efeito interruptivo do prazo recursal e a possibilidade de complementação das razões recursais, caso já se tenha interposto recurso contra a decisão saneadora que eventualmente venha a ser alterada em razão do requerimento de ajuste ou esclarecimento.
A analogia pode ser utilizada quando se recorre a um dispositivo legal, ante a ausência de outro, para regular situação semelhante (analogia legis)[3]. Além disso, ressalta-se que o uso da analogia neste caso não afigura técnica de hermenêutica restritiva de direitos, de modo que, a princípio, parece-me não existir nenhum impedimento em utilizá-la.
Entretanto, também é possível pensar em sentido contrário. Se o Legislador ordinário manteve os embargos declaratórios, então não podemos afirmar com segurança que tanto o requerimento típico quanto o mencionado recurso sejam a mesma coisa. Logo, se não são a mesma coisa, então há de existir uma diferença entre ambos.
Atente-se, portanto, que aqui encontra-se predileção pelo rigor técnico-científico em distinguir institutos jurídicos. Alguns processualistas, inclusive, já levantam dúvida, por exemplo, sobre possibilidade de atribuição de efeito interruptivo do prazo recursal ao artigo 357, §1º do Código de Processo Civil[4].
Como a finalidade prática dos embargos declaratórios e do requerimento de esclarecimentos e ajustes é, grosso modo, a mesma, distinguindo-se apenas quanto aos efeitos, então existiriam duas hipóteses de atuação disponíveis à parte interessada. Se a parte opta por pedir ajustes e esclarecimentos, ao invés de opor embargo declaratórios, então poder-se-ia sustentar, com fundamento na boa-fé processual, na modalidade da supressio, e também na preclusão lógica, que a parte não almeja recorrer da decisão, contentando-se implicitamente com qualquer que seja a decisão subsequente do juízo.
Analisar o artigo 357, §1º, do CPC, desta forma não me parece razoável, sobretudo porque o alicerce desta interpretação do dispositivo baseia-se mais numa possível opção do Legislador e, portanto, na sua vontade presumida. Registro, pois, as lições de hermenêutica e filosofia do direito do jurista alemão Gustav Radbruch, para quem não seria possível identificar qual seria a “vontade do legislador” com precisão e segurança ou, melhor dizendo, com nenhum grau de certeza:
“A interpretação jurídica é, porém, algo de muito diferente disto. Visa a fixar, não um facto, mas o sentido objectivamente válido dum preceito ou disposição jurídica. Ela não ficada parada diante da determinação do sentido que foi pensado pelo autor da lei, se o logrou apreender. Nem pode ria ficar por aí, visto ser sabido que em toda a obra legislativa intervém uma grande multiplicidade de autores e, portanto, de opiniões diferentes; ao passado que o intérprete tem de procurar uma só interpretação inequívoca da lei, que possa ser utilizada na aplicação do direito[5]”.
Além disso, o preciosismo técnico-científico de tratar dois institutos jurídicos como coisas absolutamente distintas, como se não pudesse haver ponto comum entre ambos, viabiliza o surgimento de circunstâncias processuais bizarras.
Imaginemos, pois, uma demanda que envolva relação de consumo e litisconsórcio passivo. O juízo em sede de saneamento poderia acolher preliminar de ilegitimidade passiva e extinguir o feito em relação a um dos réus e, naquilo que tange o subsequente e regular processamento do feito, decidir que iria aplicar a inversão do ônus da prova. Tanto o réu quanto o autor poderiam recorrer da decisão saneadora pela via recursal do Agravo de Instrumento, com fundamento, respectivamente, nas hipóteses dos artigos 1.015, IX e 354, parágrafo único, do CPC.
O réu opta por interpor diretamente Agravo de Instrumento contra a decisão e a parte autora, por sua vez, tão somente solicita ajustes em face da decisão saneadora. Se partirmos das premissas estabelecidas anteriormente, quais sejam, de que (i) o artigo 357, §1º do CPC não tem efeito interruptivo do prazo recursal; (ii) o requerimento fundado neste artigo pressupõe a desistência recursal da parte interessada; então caso a decisão do juízo, que atenda ao requerimento da parte autora, seja prejudicial ao réu, então ele terá de interpor outro Agravo de Instrumento, se cabível, contra essa nova decisão.
Teríamos, então, dois recursos tramitando em face de decisões que são, em tese, distintas, haja vista que o pronunciamento judicial que responde ao requerimento do artigo 357, §1º do CPC não integra a decisão anterior, como ocorre no caso da decisão que julga os embargos de declaração. Atente-se, portanto, o leitor para as dificuldades e embaraços processuais oriundos de uma distinção radical entre os dois institutos.
Solução mais simples seria se o legislador tivesse previsto de maneira expressa que o requerimento típico do artigo 357, §1º do CPC, se limita às matérias não recorríveis de imediato. Como não se fez essa restrição, então a melhor solução, salvo melhor juízo, é de tratar o instituto como se fosse embargos declaratórios.
_________________________________________________________________________
[1] Veja-se o julgado da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: Apelação Cível n. 1640622-1, rel. Luciana Carrasco Falavinha Souza, DJE 09/05/2017. E também os julgados da 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: Agravo de Instrumento n. 2258411-62.2016.8.26.0000, rel. des. Costa Netto, DJE 01/06/2017; Agravo de Instrumento n.2026370-89.2017.8.26.0000, rel. des. Costa Netto, DJE 27/02/2018.
[2] Nesse sentido, (i) WAMBIER, Luiz Rodrigues; ARRUDA ALVIM, Teresa (Coord.). Temas Essenciais do Novo CPC: análise das principais alterações do sistema processual civil brasileiro. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2016, p. 273; (ii) THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum, volume 01. 57ª ed., ver., atual. e ampliada. Rio de Janeiro: Forense, p. 849-850.
[3] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, 171-172.
[4] NEGRÃO, Theotonio; F. GOUVÊA, José Roberto; A. BONDIOLI, Luis Guilherme; N. DA FONSECA, João Francisco. Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor. 47ª ed. São Paulo: Saraiva, p. 432.
[5] RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. 6ª ed. Trad. L. Cabral de Moncada. Coimbra: Armênio Amado, 1979, p. 229-230.